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  • Foto do escritorRodrigo Souza

Texto de ano novo


Ando sentindo as articulações dos dedos das minhas mãos mais fáceis de realizarem movimentos contrários ao movimento “saudável”. Eles doem muito com mais frequência. Muitas vezes acordo com algumas dores que nunca sei como surgiram, mas estão lá. Eu as admito e espero passar. 


Entendo a velhice e a minha irresponsável leniência com exercícios. Tenho espelho e sei ver que meus cabelos estão ficando muito brancos. Meu rosto perdeu algum colágeno. Minha expressão foi ficando sisuda. Meu olhar é grave. O cenho já tem marcas. Meus lábios, que já eram finos, foram cada vez se tornando a linha que se desenha nos desenhos primários. E tudo bem. Não tenho ofensa na minha vaidade. É certo que ao homem, os fios brancos são bem vistos - privilégios de uma sociedade de dirigentes machos, óbvio. 


A coluna nem falo. E sim, farei algo a respeito não por querer viver mais. Eu quero viver o tempo que me cabe. Não pretendo estender demais a passagem por essa experiência. Cuidarei da coluna por uma questão de postura. Quero a postura que mais esconda as minhas fraquezas. Andar curvado deixa tudo muito evidente. 


Quero ver meu filho ser tudo que sonha. Quero estar na frustração dele e minha. Quero saber calar na presença. Falar o pontual na ausência.

Silenciar. 


Ainda pretendo amar. Seria muito egoísta não querer mais amar. Sei das capacidades do amor. Sei que é algo que nos move e que, se nos deixarmos levar por ele até não sabermos mais o que ele significa, o inventamos de novo e de novo. Até tentarmos de novo entendê-lo. Até perdê-lo. Até inventarmos de novo. 


Sei que sei amar muito. Embora não saiba como consigo. 

Apesar de tantas provas na vida de que é possível muita crueldade. Apesar de ter sentido que as maiores dores podem vir de quem se ama. Apesar de sentir que muitas pessoas das quais amei foram as que mais se esforçaram para que eu desacreditasse desse sentir, que se sente amor. Se diz amor. Se pensa amor. Mas que no fundo é algo que ninguém sabe definir. Sabe-se sentir e inventar o sentir. Enfim. Pretendo, sim.


Para esse ano novo quero saber menos coisas. Quero entender menos coisas. Quero estar por fora. Não quero muito. Quero o melhor do pouco que posso ter. Quero o ajustado. Não quero abundância. Quero aquilo exato para que eu me sinta em paz. Não quero que sobre. Não quero que falte. Não quero a presença sufocante, nem a ausência angustiante. Quero estar onde caibo. Não quero o que não seja para mim por completo. Mesmo que não esteja completo.


Ah!


Quero mais músicas que nunca ouvi. Isso eu quero muito.

E só.

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