Bípede. Apoia-se sobre os pés que já não palmilham seus solados totalmente o chão. Espécime ereta. Observa atentamente a colina diante de si. Um futuro arqueológico nos olhos, que defronte ao crânio, vê bem, e já expandido o seu pensar o cérebro acompanha, que apenas hoje decresce em sinapses, hipocampos, lobos frontais, chacais, abutres ao redor. Espécime em número diminuto nos dias dessa era paleolítica de nosso Senhor Jesus Cristo. Primata de um olfato já precário, sobe a colina, vê uma fêmea que exala o odor de uma causa de ardor, qualidade essa, a de se sentir um ardor muito humano e animal, é o que os batiza de sapiens. Pois sabem, pois sentem, pois aprendeu algo além do odor sentido pelos primatas, sentimento esse que teria dizimado neandertais. Os passos agora eram em direção a um elemento da mesma espécie, que o atrai muito, mais do que em qualquer outro momento de sua evolução. O que o atrai pode se abrir em muitas hipóteses. Talvez pela bacia mais larga da fêmea observada, fazendo-o julgar ser aquela fêmea a que teria mais fácil os filhotes do seu cio. Talvez os seios fartos que lhe sedenta o céu de sua boca. Talvez o tônus das pernas, fazendo-o imaginar a necessidade de uma fuga. Jamais perderia sua fêmea. Talvez suas reservas de gordura, a possibilidade de aquecer no frio noturno, entrelaçar os braços adormecidos e abrigados de uma chuva. Talvez a agilidade ao caminhar. O que muito tempo depois chamaríamos de graciosidade. Ou, simplesmente por querer.
Aproximando-se da fêmea, ela emudece, fixa posição, firma os pés, que já não palmilham seus solados totalmente o chão. Eles se olham. A visão aguçada faz o macho notar que os pelos da fêmea são quase todos num mesmo sentido, como se já houvesse pente e penteadeira. Passos lentos em direção ao que agora o consome, o macho mostra as mãos sem nada que a faça mal. A fêmea responde mostrando as palmas das suas. Parecem ter a mesma idade. Parecem ter entendido que há tempo. Parece que compreenderam que há algo a ser feito pelo bem de seu próprio bem. Passos de lado a lado o aproximam. O tempo, lento como era típico naquele momento, era imóvel e por muito tempo sequer existia. Por muito tempo, o tempo se eternizava por todo o tempo. E o que chamamos de segundo, desses, tivemos por volta de vinte, para que estivessem tão próximos, que o que hoje chamamos de distância, naquele momento, eterno como o tempo daquele tempo, era muito pouca. Por uma fatia daquilo que não se sonhava em nomear como minuto, os lábios se tocaram com tanto ardor humano. E os pés, que já não palmilhavam seus solados totalmente o chão, pareciam não apoiar mais o corpo. Restando aos dois exemplares de tal espécie esperar a queda de olhos fechados. Uma queda não vinha. E ali ficaram. E ali morreram. Assim nasceu o beijo.
Eu acho.
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