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  • Foto do escritorRodrigo Souza

De quando eu morri

Atualizado: 14 de set. de 2021



Teve um dia desses que morri à beça. Morri bastante. Como um efeito dominó eu fui morrendo mortes em sequência. Cada dominó era um bloco feito de um cimento idealizado, de expectativas sobre outros que criei e amei, porém nunca existiram de verdade. E assim morri e assim morremos todos os dias, de modo que somos sobreviventes de uma vida mortalmente cheia de possíveis vidas.

Esse dia em que morri muito, foi quando descobri que os vultos que persegui durante toda uma infância, adolescência e parte do que se chama vida adulta eram partes de mim mesmo. Corri atrás de mim mesmo como um animal, que desconhece a si mesmo no espelho e caça sua imagem, golpeia sua imagem, arranha a sua imagem.

Cri num pai, num pai deus, num deus pai, enfim num espectro de pai que nunca houve vivo. Cri nos abismos que olhei por tanto tempo, mas nenhum abismo que olhei me olhou de volta e nem me respondeu, pois nem abismos eram. Minha história nunca possuiu abismo algum, como pensei por muito tempo. Minha infância, minha adolescência e parte do que se chama de vida adulta nunca conheceu lacuna alguma. Tudo que vivi, me fez ser completamente apto a viver o suficientemente forte para morrer muito, e reviver à beça.

Parei de escrever por um longo tempo por que estive revendo o quanto morri e as formas que morri. E como morri de tantas outras formas sem perceber.

Como é bom morrer demais. Como importa tanto num tempo em que se morre tanto saber morrer e reviver em paz, ou renascer em paz. Ou renascer em guerra, melhor dizendo, para esses tempos.

Perdi meu pai idealizado. Morreu. Mas morreu uma morte única. A morte de alguém que nunca nasceu de fato. De modo que nem morreu, pois nem nasceu. Não o tenho mais, como nunca tive em tempo algum.

Esse dia, em que morri à beça, foi mais um dia que morri demais. Agora tenho muito o que viver e muito o que morrer. E mais que viver ou morrer, tenho muito o que escrever.

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