Queria conseguir e saber dizer o que senti ao ver teus passos tão discretos, teu calçado reto, preto e branco, o desenho dos músculos das tuas costas, os cabelos escapando do gorro despretensioso, tua peça de biquíni, tão elegante quanto teu jeito de dizer teu nome, teu sorriso pra nada, teu olhar pra tudo, parecia estar sendo acompanhada de lembranças que não interessam a mais ninguém. Sozinha. Acompanhada de todos.
Me deu vontade de saber descrever o mistério que pairou ali. Um ambiente muito familiar que ficou vazio de imediato. Tudo pouco me interessou naquele lugar e por algumas horas tudo poderia estar desabando em barranco e samba. Naquele lugar de humildade luxuriosa, de comedida extravagância, havia a tua bossa, teu ar, uma flor que se queima sem se consumir. A única coisa consumida era mais uma cerveja entre minhas certezas, que faço gosto em deixá-las afogarem. Estava certo de que nada mais me surpreenderia naquele lugar. Mas ele, o samba, me apresentou você, e me resta sambar de agradecer. E pode ser, muito provável que assim seja, que não te veja mais. Nem por lá, nem em qualquer lugar. Mas fica aqui a vontade de saber escrever sobre esse dia.
Queria saber dizer que ao ser consumido pela tua presença, fui reposto de tudo que preciso, me recompus de tudo o que nutre e foi tudo como um descanso, apesar de exaurido. Queria saber contar do acalanto que foi saber da existência tua. Inclusive, era o que mais passava em minha cabeça. A existência tua. Enquanto cantava, com a mente contava os passos, calculando quantos me faltavam pra poder chegar o mais perto da tua boca. Para ouvir tua voz, é claro. E dizia repetidamente, para que eu me acreditasse de mim mesmo: Ela existe.
Queria poder dizer o quão feliz me senti ao saber que mesmo andando longe, Quixadá ou Quixeramobim, no frio do sul, ou num samba daqui, pude aprender que dentre tantas cidadelas, o teu lugar seria um ótimo lugar pra mim.
Tentei levar aos amigos a vaga noção do teu semblante, as boas novas dessa existência que conheci, dizer que você esteve ali, e como tu existes nesse mundo. Esse mesmo mundo que tive pressa em te mostrar, pra ver se o assombro te encantava. Mas não disse, não pude, não tive meios, não tenho léxico para dizer que você existe. Me aproximei, no máximo, de dizer que tu és bonita como um domingo de samba, mas um domingo de samba em que você está, não qualquer samba. Pois nesse dia vi que o samba que você está é um samba pra se lembrar. Mas foi uma forma de usar do meu mundo pra te anunciar aos meus. E tudo isso nada diz. Pois volto a ter que dar explicações de como tu existes. Queria saber e ter as melhores palavras. Não as tenho. Nunca as terei, certamente. Mas o que posso dizer, por enquanto, é que foi muito bom saber que você existe por aí, e de algum jeito já anda por aqui, por perto, e eu queria mais disso. Te queria mais perto, mais vezes. Se o samba me abençoasse como nunca, mesmo me abençoando como sempre.
É muito bom eu ter te conhecido no meu dengo, no cafuné que recebo em música e em cerveja da mais gelada à espera de um beijo quente, roubado, daqueles que faz o ladrão ser pego antes de levar o produto do delito. O samba é meu ânimo, um instinto, que me abre portais, que oferta o colo e zela por mim, me unge e me santifica para tudo de profano e sagrado, tudo o que desejo cantar até os últimos embalos dos meus dias de vida, nele, no samba, te testemunhei.
É de se dizer que não há outro modo de expressar, tão limitado que me apresento e me apresentei, que te ver foi um testemunho, um testemunhar. Agora sei. Ainda posso me apaixonar subitamente. Assim, como quem é pródigo. E ainda é possível sentir esse desconforto delicioso de ter. O tropeço mais gostoso de sangrar. E se perder em sono que não finda em noite dormida. Estar cansado e sorridente. Carregado de coisas para dizer e não saber, e nada conseguir. E tudo ter que acabar num simples “que bom que você existe”. Que bom ainda ser possível se perder com toda a prudência. Se um dia eu souber dizer o que eu lembro daquele dia, escrevo de novo. Te escrevo de novo. Descrevo de novo. Me apaixono de novo. Subitamente. E prudentemente.
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